A Clara tem a filha com varicela, há semana e meia, mais precisamente há 10 dias que não sai há rua. A Clara faz compras no continente on-line porque literalmente está de quarentena e não tem o que comer, nem o que dar de comer à sua filha.
Ela remoe-se a pensar porquê que o Jorge parte para a Polska no preciso dia em que a miúda fica doente. Fica verde de inveja por saber que um gajo com pouco mais do que a quarta classe, farta-se de viajar enquanto ela ( pessoa devidamente certificada e educada) virou mãe a tempo inteiro, uma autêntica fadinha do lar. O seu único prazer e também desgosto é saber que ele por muito que viaje continua um tipo pobre de espiríto, embrutecido como sempre o foi.
A Clara conseguiu a proeza de destruir 4 computadores em 3 semanas e todo o seu trabalho que diga-se de passagem é pouco está completamente comprometido, ela não se importa, quer seguir outros caminhos ainda que não saiba quais, por isso agora senta-se sobre o chão frio do soalho e com uma ligação directa a um router manhoso faz apenas o que é indispensável, responde a alguns mails safa algumas situações mais obnóxias, escreve de vez em quando num blogue sem sentido, diz coisas que não quer, mas que sente necessidade de as dizer.
A Clara sente falta do cheiro do Tejo, dos Cacilheiros, da luz demasiado branca de Lisboa, dos amigos e dos sorrisos, das pessoas inteligentes, das ginjas de Santo Antão e dos devaneios no bairro alto, de olhar a outra margem bem de noite no antigo miradouro de Almada, parece que agora é um restaurante de luxo, das calçadas, dos passos, dela.
A Clara está só e triste, mas sobre ela falar-vos-ei ainda mais.